Sinergia de manutenções preditivas e corretivas em UFVs


1. Introdução

As atividades de Operação e Manutenção (O&M) de uma usina fotovoltaica (UFV) são imprescindíveis para que pausas não programadas ou quedas no rendimento da geração sejam evitadas, sendo possível cumprir acordos e metas comerciais de PPA (Power Purchase Agreement), além de promover a durabilidade da usina ao longo dos anos de operação.

Mediante a este cenário, duas manutenções se mostram essenciais para que o desempenho dos módulos FV não sejam afetados: 1) manutenção da limpeza dos módulos e 2) supressão vegetal. Ambos são responsáveis por evitar que a usina tenha perdas de geração por sombreamento parcial, seja por sujeira na superfície dos módulos ou por sombra projetada pela vegetação. Indiretamente, outros elementos preocupantes também devem ser associados a geração de pontos quentes (hotspots) e aceleramento da degradação dos módulos FV.

 

                       Figura 1 – Principais dificuldades lidadas em UFVs: sujidade de módulos FV e rápido crescimento de vegetação rasteira.

Neste artigo, discutiremos os principais desafios encontrados nestas duas manutenções, as quais serão evidenciadas através de ensaios termográficos e de curva I-V.

 

2. Limpeza de módulos fotovoltaicos

Um dos principais desafios encontrados na otimização operacional de uma UFV recai sobre a limpeza dos módulos fotovoltaicos. A deposição de sujeira, tanto na parte frontal como traseira, acarreta redução drástica no desempenho dos módulos, influenciando negativamente na corrente e na tensão operacional das strings, e como consequência, na potência total do sistema.

As UFVs foram implantadas em uma grande diversidade de localizações ao longo do Brasil, por este motivo, cada usina possui a sua peculiaridade em relação aos elementos causadores de sujeira. Embora os fatores causadores sejam distintos, os resultados da não limpeza dos módulos acarreta diretamente na redução da geração, aparecimento de hotspots e aceleramento da degradação. A seguir, apresento alguns casos interessantes de sujeira de módulos FV e as respectivas interações de curva I-V e termografias:

1) Limpeza de módulos engordurados: A limpeza dos módulos, embora pareça ser simples, também pode causar situações complexas de serem resolvidas, bem como situações em que a água não é suficiente para realizar a limpeza, muitas vezes pelo fato de haver substâncias não solúveis em água na superfície dos módulos, fazendo com que elementos como a gordura, sejam plenamente espalhados, a ponto de manchar o vidro. 

 

Figura 2 – Módulos recém lavados, porém com espalhamento da gordura (não solúvel em água) por todo o módulo. A camada de gordura criou uma espécie de capa, reduzindo a absorção da irradiância pelas células, gerando hotspots localizados devido ao mismatch entre as células.

 

Diversas usinas no interior de SP estão localizadas próximas de regiões de agriculturas onde há a prática de pulverização aérea de defensivos agrícolas. Durante a visita em uma usina, identificamos módulos com a presença de um elemento estranho na superfície, levantando a suspeita de defensivos agrícolas. Por ser uma situação completamente anômala, cabe ao fabricante dos módulos apresentarem algum diretriz, visto que a parte majoritária destes indicam a limpeza apenas com água, ou em circunstâncias variadas, o uso de álcool isopropílico, não sendo suficiente para a remoção total

Figura 3 – Presença de defensivos agrícolas na superfície de módulos fotovoltaicos, localizados em uma usina ao lado de um canavial pulverizado por um avião.

2) Usinas próximas de estradas de terra: Uma grande responsável pela deposição de sedimentos nos módulos com certeza vem do solo. Devido ao fato de sempre haver areia/terra nas proximidades das usinas, é muito comum a política interna de automóveis não trafegarem em velocidade acima de 30km/h, entretanto, isso nem sempre é suficiente para evitar que a poeira entre em suspenção e seja depositada na superfície dos módulos. A poeira associada a umidade ou orvalho cria uma crosta suficiente para um sombreamento parcial nos módulos, reduzindo a sua eficiência.

Figura 3 – Esta usina situada relativamente numa área urbana, tinha em seu perímetro, uma estrada de terra, onde trafegavam diversos carros, levantando grande quantidade de poeira e reduzindo substancialmente a geração dos inversores afetados. A solução encontrada foi pavimentar a estrada.

Alguns casos extremos requerem soluções mais drásticas, seja a pavimentação de uma estrada perimetral, seja a plantação de grama, ou até mesmo a implantação de um sistema de limpeza diária dos módulos. Fica aqui uma provocação: será que estas condições foram consideradas durante a concepção dos projetos?

A resposta nem sempre é sim. Nestas circunstâncias, alguns ensaios são extremamente pertinentes para uma otimização de planejamento de O&M, sendo eles, propriamente dito, curva I-V, termografia geral e PR teste. Embora alguns resultados sejam óbvios, as vezes a evidência visual ou em números consegue surtir efeitos mais precisos.

 

3) Regiões arenosas, incidência de pássaros, próximas de estradas: O Brasil é um país de dimensões continentes, gerando os mais diversos desafios para as UFVs, cabe o compartilhamento de alguns insights importantes. Conforme mencionado, a areia/terra/poeira em contato com a umidade cria uma película de sujeira nos módulos que nem sempre é removida com a chuva

 

Figura 4 – Nem todo sombreamento causa acionamento dos diodos de by pass, mas toda sujeira gera um comportamento térmico anômalo nos módulos FV. A divergência térmica entre células promove diferentes níveis de dilatação entre si, favorecendo o aparecimento de microfissura responsáveis pelo aceleramento da degradação dos módulos

 

Talvez um dos principais motivos para os fabricantes de módulos não apresentarem grandes possibilidades para limpeza do vidro, além da água ou do álcool isopropílico, seja pela diversidade de dejetos que podem entrar em contato: amônia, em regiões próximas de galinheiros, diferentes níveis salinos, próximas das regiões litorâneas, elementos poluentes em regiões mais urbanas, os quais em contato com soluções não oficiais, como o sabão/detergente neutro, não são necessariamente conhecidas pela comunidade científica.  

Figura 5 – Usinas com grande incidência de pássaros apresentam muitas fezes depositadas na superfície dos módulos, causando iminentes hotspots.

 

Uma constatação presente em algumas usinas próximas a estradas, é um maior acúmulo de elementos insolúveis nos módulos, possivelmente devido aos elementos poluentes presentes no ar, dificultando a limpeza, e podendo causar o espalhamento de manchas no vidro com a água.

Assim como qualquer prestação de serviço, a velocidade da entrega sempre acaba sendo um diferencial, entretanto, quando se trata da limpeza dos módulos FV, é de suma importância o cuidado de evitar o choque térmico causado pela água fria, especialmente durante os horários de pico de geração. 

Figura 6 – As manutenções preditivas exigem um grau de sinergia importantíssimo para que os resultados sejam coletados nos melhores cenários possíveis. Nesta figura termográfica, note que os módulos estão lavados durante os ensaios termográficos, gerando incongruências e dificuldades na análise das strings diretamente afetadas. A divergência térmica dos módulos recém lavados também é um ponto de atenção

 

A curva I-V de uma string apresenta um retrato das condições atuais de sua operação, levando em consideração níveis de degradação, sujidade, sombreamento, células ou diodos danificados. Este ensaio possui grande sinergia com a termografia aérea, visto que ambos são capazes de detectar as reais raízes de causas. 

A curva traçada apresenta todos os pontos de operação transladados para as condições STC fornecidas pelo fabricante, podendo ser analisada e compara com dados de fábrica, especialmente a Voc (tensão de circuito aberto), Isc (corrente de circuito aberto) e Pm (potência máxima), e assim, determinar um fator médio de desempenho total das strings da usina

Figura 7 - Curva I-V característica de uma string com sujeira deposta na superfície do conjunto. O degrau próximo da faixa de máxima potência é a sua principal evidência. Os valores usuais de perdas por sujeira giram em torno de 5 a 15%. A sujeira nos módulos funciona como um sombreamento parcial gerando hotspots, que, quanto mais tempo eles forem presentes nos módulos, maior será o aceleramento de degradação das strings como um todo, por este motivo, as sujeiras devem ser extinguidas frequentemente

 

Por se tratar de um ensaio que mede a eficiência momentânea das strings, é de suma importância que os módulos estejam devidamente limpos, de forma que a sujeira não interfira nos resultados coletados, podendo exigir retrabalhos desnecessários. Embora a sujeira gere um resultado não desejado, em algumas situações, acaba se tornando um estudo de caso pertinente para tomadas de decisão a respeito de planejamento de O&M. 

 

3. Supressão vegetal e podas

A segunda manutenção a ser mencionada neste artigo, trata-se da supressão vegetal e podas de árvores. Assim como a limpeza de módulos, a supressão vegetal é importantíssima para o mantenimento da saúde dos módulos e da geração sem influências de sombreamento proveniente da vegetação em gera, além de outros fatores que, embora pareçam inofensivas, podem gerar consequências negativas para a UFV.

 

1. Vegetação alta

A ausência de manutenção da supressão vegetal causa diversas consequências negativas, que muitas vezes é passada despercebida ou simplesmente é negligenciada.

Assim como qualquer elemento de sombra, a vegetação rasteira que cresce em toda usina, também é capaz de sombrear os módulos, causando efeitos de sombreamento parcial e eminentes hotspots.

Figura 8 - Vegetação rasteira podada com 1 metro de distância dos módulos, não sendo suficiente para conter 100% do sombreamento causado. O surgimento de hotspots poderá ser gerado em diferentes períodos do dia, mediante a altura do mato ou horário do ensaio de termografia.

 

Nas mais diversas usinas já visitadas, quase sempre é identificado o zelo pela limpeza e organização da usina, especialmente ao que diz respeito da roçagem. Talvez por parecer ser um fato inofensivo, a vegetação acaba sendo negligenciada, em algumas situações, o mato se torna até princípios de árvore. 

Figura 9 – Em alguns casos, a supressão vegetal é realizada em períodos muito espaçados, permitindo o crescimento rápido da vegetação. O período de chuvas acelera consideravelmente o crescimento, enquanto períodos de estiagem tendem a ser mais vagaroso.

 

O crescimento desta vegetação, especialmente em usinas com trackers, pode causar um prejuízo irreversível: ao movimentar os módulos, a vegetação alta próxima causa ranhuras no vidro, ampliando o grau de refração dos raios solares aborvidos pelas células fotovoltaicas, impactando negativamente, principalmente na corrente elétrica desenvolvida pelos módulos. O principal indício pode ser avaliado através da curva I-V, onde não necessariamente há algum degrau na potência máxima, mas sim, uma redução na Isc

Figura 10 - Ensaio de curva I-V de uma string recém lavada, sem efeitos de sombreamentos associados, entretanto, com 2 anos de operação sob condições inadequadas de sujeira e de sombreamento parcial devido a vegetação alta, associada à movimentação do trackers causando ranhuras pelo contato com a vegetação local. Nota-se que não há uma evidência clara no comportamento da curva, entretanto, a Isc apresentou 9% abaixo das condições STC fornecidas pelo fabricante, demonstrando um comportamento de aceleramento de degradação. 

 

Outro fator pertinente a ser discutido sobre a falta de supressão, é a frequência dos hotspots por longos períodos, causando impactos irreversíveis em relação a qualidade dos módulos, fomentando a necessidade de realizar manutenções corretivas em períodos suficientes para que as consequências não se tornem fatos irremediáveis.

 

2. Dificuldades de O&M

A vegetação alta também é um fator que causa dificuldades na operação e manutenção das UFVs. A vegetação alta permite a proliferação de animais peçonhentos como cobras, escorpiões e aranhas, dificultando a mobilidade de equipes na usina, podendo colocar a saúde dos operadores em risco.

Em tempo, é de extrema pertinência a pontuação da remoção de vegetação seca, a qual em contato com fogo, pode se tornar um excelente combustível para causar uma devastação total da usina. 

Figura 11 – Usinas com baixa frequência de roçagem, aumentando a periculosidade de manobras corretivas e operacionais. A roçagem de usinas com vegetação muito alta requer algumas práticas para ganho de eficiência da equipe, bem como o emprego de tratores e caminhões, principalmente em casos em que há vegetação com caules mais rígidos.

Neste espaço do artigo, cabe um insight importantíssimo para projetistas e epcistas: o jargão utilizado para projetistas e epcistas de que se deve levar em consideração normas, datasheets e boas práticas de engenharia, talvez falte uma boa explicação do que se tratam as boas práticas de engenharia, ou seja, execuções que sejam compatíveis com o período que sucede a construção, a operação.

Todo cabo energizado deve ser devidamente organizado e instalado, de forma que seja clara a sua localização. Cabos expostos ou “soltos”, durante o processo de supressão vegetal podem se tornar focos de incêndio caso sejam rompidos.

 

Figura 12 – Embora os cabos estejam organizados em um eletroduto, algumas situações em que a vegetação está muito alta, colaborando com a falta de atenção do manuseador da roçadeira, casos como estes podem ocorrer: rompimento de cabos CC em operação, exigindo rápida mobilização para que o arco elétrico não gere um grande foco de incêndio, podendo causar danos gigantescos.

 

Outra dificuldade encontrada durante supressões vegetais, recai em usinas fotovoltaicas com estruturas relativamente baixas.

A aplicação de estruturas mais baixas promove um menor CAPEX, além de exigir um pitch menor, aumentando o percentual de cobertura do solo, sendo próprio para áreas mais compactas, entretanto, há um trade oi importantíssimo: a estrutura mais baixa exige uma frequência maior de roçagens. Além da frequência, ainda há maior risco de projeção de pedras ou resíduos sólidos contra os módulos, aumentando a chance de avarias. 

Figura 13 – Estruturas baixas exigem cuidado redobrado em relação a supressão vegetal, além de exigir maior frequência devido ao fato da vegetação ficar mais alta em relação aos módulos mais rapidamente. 

3. Podas de árvores perimetrais

Outra fonte comum de sombreamento, trata-se da projeção de sombras de árvores perimetrais sobre as strings, causando os velhos conhecidos hotspots e queda de geração.

A operação das usinas também reside em inspeções visuais, de forma que sejam mapeados e monitorados todos os elementos potenciais de redução de geração, de forma que todos eles sejam mitigados. O crescimento das árvores locais definitivamente se enquadra neste caso.

Figura 14 – Alguns sombreamentos são sutis, embora suficientes para causar hotspots e baixas na geração. Não é exatamente necessário um drone termográfico para a sua apuração, uma inspeção visual é suficiente para detectar os pontos afetados

 

 

Figura 15 -Dependendo do nível de sombreamento, as perdas podem variar muito, tanto na corrente quanto na tensão operacional. Os elementos de sombra devem ser monitorados com frequência, de forma que as perdas sejam devidamente mitigadas.

 

Figura 16 – Alguns casos mais radicais onde o sombreamento pode iniciar a partir do nascimento do Sol até próximo das 13h com certeza são prejudiciais a operação e a previsibilidade de geração. Caso a solução exija tempo, é possível realizar manipulações na conexão de strings/MPPT, agrupando as strings sombreadas em mesmo MPPT, não afetando negativamente as strings não sombreadas.

 

 

Conclusão

Ao realizar a concepção de uma UFV, é natural que sejam utilizados parâmetros conservadores, ao mesmo tempo que seja valorado a ponto de virar um produto valioso no mercado energético. A busca por um denominador comum pode gerar frustrações, especialmente ao que diz respeito das perdas por sujidade, vegetação alta e tudo aquilo que não óbvio de se mensurar durante qualquer simulação.

Muitas usinas visitadas claramente tiveram os custos de O&M subestimados, interferindo diretamente na expectativa de ROI, entretanto, algumas escolhas são fundamentais para que a saúde de usina não seja comprometida a ponto de ser irreversível. 

 

A supressão vegetal aliada da limpeza dos módulos são atividades fundamentais para o sucesso e mantenimento de UFVs

Embora pareça óbvio, o óbvio também precisa ser dito:Há um fluxo correto de atividades de manutenção que deve ser seguido, de forma que não sejam necessários retrabalhos e gastos não previstos.

1. Supressão Vegetal -> 2. Limpeza dos módulos FV -> 3. Ensaio de curva I-V e termografia dos módulos. 

Figura 17 – A supressão vegetal levanta bastante poeira, acumulando na superfície dos módulos. Aliada a chuvas rápidas ou até mesma a umidade/orvalho, é criada uma película de sujeira capaz de reduzir a eficiência dos módulos em até 20%.

 

A execução correta deste fluxo garante que os ensaios de qualidade e desempenho possam entregar resultados pertinentes e sem interferências de fatores externos.

Os ensaios preditivos de curva I-V e termografia aérea se juntam a uma outra grande quantidade de ensaios que devem ser realizados, de modo que a usina evite pausas não programadas ou reparos de grande monta, justificando investimentos que garantam a longevidade da operação das usinas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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